quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Maturidade...


"Não tenho mais os olhos de menina nem corpo adolescente, e a pele translúcida há muito se manchou. Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura abrandada pelos anos e o peso dos fardos bons ou ruins. (Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia). O que te posso dar é mais que tudo que perdi: dou-te os meus ganhos. A maturidade que consegue rir quando em outros tempos choraria, busca de agradar quando antigamente quereria apenas ser amada. Posso dar-te muito mais do que beleza e juventude agora: esses dourados anos me ensiaram a amar melhor, com mais paciência e não menos ardor, a entender-tes e precisas, a aguardar-te quando vais, a dar-te regaço de amante e colo de amiga, e sobretudo força — que vem do aprendizado. Isso posso te dar: um mar antigo e confiável cujas marés — mesmo se fogem — retornam, cujas correntes ocultas não levam destroços mas o sonho interminável das sereias" .
...(",)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Vértebra ou pálpebra...


“Memória!/Convoca aos salões do cérebro um renque inumerável de amadas./Verte o riso de pupila em pupila, veste a noite de núpcias passadas./De corpo a corpo verta a alegria esta noite ficará na História./Hoje executarei meus versos na flauta de minhas próprias vértebras.” (Vladimir Mayakovsky)

Eis minha estrofe de um milhão de dedos, vinte e três pensamentos e quarenta promessas. Meu batismo é com água, porem meu pecado é de fogo. Porque o pensamento é sujo, imundo e sórdido, precisa mesmo ser lavado, remido e limpo. Mas o coração fica lá, sempre puro, mesmo que triste, quebrado ou duro. Somos eternos filhos que choram e nossas mães não escutam. É por isso que o que nos sensibiliza também é o que nos endurece. A carne fica insistindo em querer ser carvão, mas é o espírito, com outra vibração, que é o diamante, lapidado, de longe parece até vidro quebrado, mas de perto se descobre a jóia que é, e de como ele é brilhante. Minha chave orgânica abre a porta da minha existência, entre esse e o outro mundo. Ao invés de morrer vou me misturando, me combinando e me dissolvendo nos outros. Eis minha pipa com rabiola feita de remorsos, papagaio sem linha. Esse meu ar atmosférico é cheio de alquimias, caminho pela nuvem para evitar as superfícies escorregadias. Porque se eu cair não sei qual parte de mim vai se quebrar, se a mole e frágil ou se a dura e robusta, se uma vértebra ou uma pálpebra.
...(",)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A chuva que chovia...


Nenhum sonho é apenas um sonho, porque ao se sonhar o pensamento dá um salto para o futuro e o desejo, combustível dessa viagem toda, se lança na corrente sanguínea do sonhador. Sonhamos porque a vida real nos decepciona e por isso o inconsciente da gente precisa gritar. Alguns para fugir cometem exageros, ou bebem demais, ou dormem demais, ou são duros demais, os excessos são a fuga da ilha, no continente onde tudo é demais, não sobra tempo para descobrirmos nossa real condição. Somos iludidos pela ilusão que o que conversamos internamente com a nossa psique seja um segredo inviolável, tudo que fazemos e dizemos é uma revelação, as roupas que vestimos, a bagunça que deixamos no quarto, na nossa mesa, o silencio ou o excesso de fala. Para quem tem os olhos bem abertos não só para si, mas para o mundo, é fácil descobrir os segredos das pessoas. Na mesma pagina(da minha vida), mas começando outro capitulo começou a chover, forte e eu procurando abrigo, comecei a olhar para o céu admirando a chuva, os pingos bailando no céu ate atingirem o chão, vistos no reflexo da lâmpada de um poste...é incrível a coreografia, os pingos caindo em sintonia, o vento criando suas trajetórias, é como uma dança ficar olhando para eles de onde eu estava. Nem percebi que estava molhada, se pudesse ficaria nua na chuva...recitando um poema que gosto tanto do poeta Mário Chamie: “Não percebeu que percebia que a chuva que chovia não chovia na rua por onde andava. Era a chuva que trazia de dentro de sua casa; era a chuva que molhava o seu silêncio molhado na pedra que carregava. Um silêncio feito mina, explosivo sem palavra, quase um fio de conversa no seu nexo de rotina em cada esquina que dobrava. Fora de casa, seca na calçada, percebeu que percebia no auge de sua raiva que a chuva não mais chovia nas águas que imaginava.”
...(",)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A invencível...


Não é fácil ser quem eu sou, o criador me deu a missão de existir, de viver, estar, permanecer e um dia partir. De vez em quando quebram nossas asas e puxam nosso tapete, mas não paramos nunca, temos o poder de nos ferir e de nos curar. Somos Super-heróis e nem nos damos conta disso, tá certo que tem muita Criptonita por aí, podem nos arrancar pedaços, sugar nossa energia e até mesmo nos fazer sangrar, mas a alma não pode ser partida e por isso somos invencíveis.
Somos invencíveis pela teimosia de continuar sonhando, mesmo quando parece ser impossível que esse sonho se realize, invencíveis porque somos persistentes e amamos mesmo quando todos os nossos amores só nos decepcionaram. Uns vão nos achar tolos, outros que somos loucos, mas pelo menos uma pessoa no mundo saberá que somos alguém especial. E para todas as outras pessoas ao invés de invencíveis seremos invisíveis. Mas não importa ao conquistar o coração de alguém que nos respeita e não mente, para nós a nossa invencibilidade mais uma vez prevalecerá sobre os cegos deste castelo.

...(",)

Permaneço em ti...


“Amar, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.”
(Vinicius de Moraes)

Quando fico diante do mar à noite tenho a sensação de eternidade, e a escuridão não me amedronta não, porque as estrelas brilhando no céu negro e as espumas brancas formadas pelas ondas ficam espalhadas na areia mostrando o caminho por onde devo passar. Uma poetisa quando ama faz o vento soprar a seu favor e não há parte neste e nem no outro mundo que suas palavras não possam alcançar, “viajar pra longe te encontrarei em algum lugar”... seus dedos escrevem fragmentos de canção e reconstituem pedaços de seu coração. É como se as linhas da palma de sua mão quisessem saltar para o ar, para o papel e para a tela. Nesse momento sinto a sensação que já estou aqui por muitos séculos, em outra janela, com outras roupas, em outros papéis, em outras situações, mas sempre com os mesmos olhos. O infinito é a casa da minha existência, diante do mar escuro a sensação é que já estive, que já desapareci e que já ressurgi, mas essa é minha permanência, no caos do pensamento há momentos de intuição, a lucidez espiritual que se desprende do material e liberta essa alma. E a liberdade da alma é onde está a curva do universo.
...(",)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A nossa longa caminhada...


“…há uma coisa que é necessário definir: todos nós, quando escrevemos (ou falamos), dizemos coisas reais e dizemos coisas irreais... fazemos um misto de retórica vã e não só… colocamos muito de nós e também muito daquilo que vai no nosso imaginário… não só falamos do que sabemos como também falamos do que não sabemos mas, principalmente, falamos com a Alma, com aquilo a que eu chamo de "desejo"… fala-se do que "desejaríamos" que assim fosse… quando não "foi assim" então fala-se do desejo de não ter sido como desejáramos que tivesse sido… somos todos duma ambiguidade angustiante (quer se queira admitir isto ou não)… mentimos a nós mesmos para nos desculparmos de tudo, só que nos esquecemos que não somos culpados de nada… a ilusão não está em nós mas em tudo o que nos é dado como perceptível, ou seja, o que nos rodeia é que pode ser ilusão… nós não somos uma ilusão… a ilusão gira à nossa volta e tenta-nos de forma em que se perca a noção do que é a verdade e do que é a mentira… ficamos, então, apenas com o que temos… e o que é que temos?... a esperança de estarmos enganados ou de nos termos enganado e de que há ou vai haver solução… desesperadamente procuramos resolver esse problema… outras vezes, desistimos e deixamos que tudo "morra" no limbo do esquecimento… no entanto, esse limbo é também ele mesmo uma ilusão pois o esquecimento não é viável… não podemos "cortar" ou "apagar" a memória… e esta é a que nos devora… engole-nos por vezes duma forma assustadora e noutras vezes duma forma mais suave mas não deixa nunca de nos engolir… somos como que absorvidos por esse buraco negro que é a lembrança… lembramos tudo, principalmente o bom porque subconscientemente escondemos num recanto da nossa memória tudo o que foi mau… até porque nunca tivemos a culpa do mal ou do mau acontecido… somos uns eternos inocentes… fazemos assim, ao longo da vida, exorcismos aos nossos demónios em vez de lançarmos louvores aos nossos anjos… passamos uma vida inteira a lamentar o inlamentável em vez de nos alegrarmos com tudo o que não deve ser esquecido… e tudo, tanto o bom como o mau, deve ser contabilizado na nossa passagem por esta dimensão do aqui e agora… e só há uma forma de se "conviver" nesse estádio de vida: é aceitar o que nos é dado viver… é aceitar o que nos é dado pois nada daquilo que "temos" é nosso… foi-nos concedido passar por isso, foi-nos concedido vivermos nisso, foi-nos concedido vivenciar determinados fatos, fatos estes que serão única e exclusivamente nossos e de mais ninguém… mais ninguém no universo sente o que eu sinto, mais ninguém no universo sente o que tu sentes… somos seres únicos, individuais e totalmente imperfeitos… vamos a caminho da perfeição mas que tarda em chegar… vamos ter muito que caminhar ainda até conseguirmos a espiritualidade do ser… porém e como ainda somos imperfeitos é-nos "concedida" a capacidade de "chorar"… é por isso que nada nos satisfaz… é por isso que buscamos a felicidade (quando ela está aqui, dentro de nós)… é por isso que sofremos… é por sermos ainda imperfeitos que não sabemos (ainda não aprendemos) aceitar… no que me diz respeito, tento duma forma lenta mas sistemática, tentar aceitar mas, na verdade lhes digo, que não é fácil e, por vezes, preciso de "gritar" e de usar a tal forma de equilíbrio que me permita lentamente sentir o caminho que piso numa caminhada que sei tenho de fazer, sem olhar para o caminho mas apenas com a vontade enorme e grandiosa de caminhar… caminhemos, pois, de mãos dadas com o Amor, o único que nos fará sorrir e ter mais forças para percorrermos esse caminho, o caminho da Sabedoria, da Luz, da Paz e da Harmonia…”
...(",)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Caim matou Abel...


Por conta de uma viagem nos últimos dias desandei a ler bastante, mas do que já faço habitualmente. E há muito espaço pra isso quando se viaja. Enquanto se espera o trem ou o avião e mesmo durante o vôo ou o trajeto, ler é sempre a melhor opção. Foi dessa maneira que li de Saramago seu novo livro: “Caim”. Obra perturbadora e que me tirou o sono algumas noites. As minhas relações com livros são passionais demais. Tudo que toco com as mãos vem pra dentro de mim. Filho primogênito de Adão e Eva segundo o Antigo Testamento da Bíblia, Caim sentiu ciúmes por Deus ter preferido as ofertas feitas pelo irmão mais novo, Abel, e matou-o, cometendo o primeiro homicídio na história da Humanidade. Saramago é um homem intelectual e grande escritor que em suas obras está sempre a criticar a religião e mais ainda a forma como o ser humano se relaciona com Deus. É assumidamente ateu, o que significa dizer que não acredita na existência de um Deus como os cristãos tem fé. Para os radicais isso faz dele um maldito, proscrito, herege e bandido. Para os buscadores suscita curiosidade e admiração. Assim como o escritor indiano Salman Rushdie foi perseguido e ameaçado de morte pelo seu livro “Os versos satânicos”, onde expõe sua frustração com o Islã, Saramago também sofrerá represarias dos cristãos, claro que menos radicais, mais ainda assim lancinantes. Porque segundo suas próprias palavras Saramago afirma acerca das religiões: “..a divindade e o conjunto de normas e preceitos que os homens estabelecem em torno a essa figura para exigir a si mesmos - ou talvez seria melhor dizer para exigir a outros - uma fé inquebrantável e absoluta, em que tudo se justifica, desde negar-se a si mesmo até à extenuação, ou morrer oferecido em sacrifício, ou matar em nome de Deus”. O grande sentido de se praticar literatura e qualquer arte é justamente acordar as pessoas, provocar angustia e atirá-las no abismo para depois resgatá-las antes que caiam ao chão com a maravilhosa asa chamada reflexão. Porque de outra maneira se é somente um fantoche, um boneco que consome, come e dorme. Um bom exemplo de arte é música, que por ser harmônica é prazerosa, cria memórias musicais, porque o som é das intangibilidades a mais espiritual. E quando há letras nas canções a música passa a conversar conosco. Ouço música para relaxar, mas também para pensar. Escrevo porque tenho necessidade de comunicação. E ter opinião e expressá-la de forma livre pode ofender muita gente. O fogo da inquisição é perpetuo. Depois de ler o livro eu me apeguei muito mais não a polemica do autor “ousar” falar mal de Deus, mas a respeito da estrutura das crenças humanas que revelaram um importante traço psicológico nosso a meu ver: o de acreditarmos somente naquilo que queremos acreditar, seja por conveniência, por necessidade e principalmente por utilidade.
...(",)