segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Caim matou Abel...


Por conta de uma viagem nos últimos dias desandei a ler bastante, mas do que já faço habitualmente. E há muito espaço pra isso quando se viaja. Enquanto se espera o trem ou o avião e mesmo durante o vôo ou o trajeto, ler é sempre a melhor opção. Foi dessa maneira que li de Saramago seu novo livro: “Caim”. Obra perturbadora e que me tirou o sono algumas noites. As minhas relações com livros são passionais demais. Tudo que toco com as mãos vem pra dentro de mim. Filho primogênito de Adão e Eva segundo o Antigo Testamento da Bíblia, Caim sentiu ciúmes por Deus ter preferido as ofertas feitas pelo irmão mais novo, Abel, e matou-o, cometendo o primeiro homicídio na história da Humanidade. Saramago é um homem intelectual e grande escritor que em suas obras está sempre a criticar a religião e mais ainda a forma como o ser humano se relaciona com Deus. É assumidamente ateu, o que significa dizer que não acredita na existência de um Deus como os cristãos tem fé. Para os radicais isso faz dele um maldito, proscrito, herege e bandido. Para os buscadores suscita curiosidade e admiração. Assim como o escritor indiano Salman Rushdie foi perseguido e ameaçado de morte pelo seu livro “Os versos satânicos”, onde expõe sua frustração com o Islã, Saramago também sofrerá represarias dos cristãos, claro que menos radicais, mais ainda assim lancinantes. Porque segundo suas próprias palavras Saramago afirma acerca das religiões: “..a divindade e o conjunto de normas e preceitos que os homens estabelecem em torno a essa figura para exigir a si mesmos - ou talvez seria melhor dizer para exigir a outros - uma fé inquebrantável e absoluta, em que tudo se justifica, desde negar-se a si mesmo até à extenuação, ou morrer oferecido em sacrifício, ou matar em nome de Deus”. O grande sentido de se praticar literatura e qualquer arte é justamente acordar as pessoas, provocar angustia e atirá-las no abismo para depois resgatá-las antes que caiam ao chão com a maravilhosa asa chamada reflexão. Porque de outra maneira se é somente um fantoche, um boneco que consome, come e dorme. Um bom exemplo de arte é música, que por ser harmônica é prazerosa, cria memórias musicais, porque o som é das intangibilidades a mais espiritual. E quando há letras nas canções a música passa a conversar conosco. Ouço música para relaxar, mas também para pensar. Escrevo porque tenho necessidade de comunicação. E ter opinião e expressá-la de forma livre pode ofender muita gente. O fogo da inquisição é perpetuo. Depois de ler o livro eu me apeguei muito mais não a polemica do autor “ousar” falar mal de Deus, mas a respeito da estrutura das crenças humanas que revelaram um importante traço psicológico nosso a meu ver: o de acreditarmos somente naquilo que queremos acreditar, seja por conveniência, por necessidade e principalmente por utilidade.
...(",)