domingo, 30 de novembro de 2008

Reflexão...


Eu tenho um dom que não me serve para absolutamente nada: sensatez. Eu consigo ouvir as pessoas e entendê-las profundamente, às vezes até melhor do que elas mesmas, chego ao ponto de conseguir prever as bobagens que farão com base nas ações em curso. Essas coisas somente assentam na cabeça com a maturidade. Não adiante enxergar, entender, mas não sentir o outro e nem saber falar, e muito menos saber quando calar. Na maioria das vezes as pessoas não querem ouvir a verdade sobre si mesmas. Percebo isso na minha própria terapia. Não me importa muito o quê o meu analista fala, mas as conclusões que vamos chegando juntos. Bom, estou falando a maior obviedade, né? Pois é. Ainda hoje eu me revolto e digo exatamente o que é, o que eu vejo, e estou totalmente correta, mas o meu interlocutor não está preparado para ouvir. E isso não serve de nada, e apenas agride. ---- E não adianta negar: o tempo me dá razão. Em relação a mim mesma eu tinha um outro problema. Eu não conseguia me enxergar. Sabe médico que não consegue curar a si mesmo? Agora a coisa evoluiu para eu conseguir me ver, consigo entender um monte de coisas, mas está difícil de atuar. Nunca poderia ser minha própria terapeuta. Isso não funciona. É como o espelho retrovisor de um carro: sempre haverá ponto cego. Por outro lado eu consigo saber o correto a fazer, eu sei o curso correto de ação, sei os problemas de maneira fria e distanciada. Mas tantas vezes eu me sinto amarrada. Eu não deixo de gostar de uma pessoa por que ela tem defeitos, na verdade tolerar os defeitos é que faz o gostar. Eu normalmente os enxergo, e sempre enxerguei, então mesmo quando os coloco na mesa há um enorme afeto! Quem não tem defeitos? Quem não tem problemas? Quem não passa cego por questões doloridas e complicadas? A vida é difícil e é mais simples ver os outros do que o nosso próprio rabo, e este clichê é muito sábio e inescapável. Há solidariedade em aceitar isso e não fraqueza, paternalismo ou sei lá o quê, pois a minha aceitação não inclui ser leniente. Reconheço a humanidade mais vibrante nas nossas fraquezas, na nossa falibilidade, nos desejos inconfessáveis e tantas vezes pouco honestos. E a grandeza está em assumir isso tudo e tentar ir além, ficar bem, melhorar mantendo a consciência, sem se achar feio ou mais vil num mundo de semideuses. Arre, estou farta de semideuses!!!! Eis que costumo gostar de pessoas e não dos diplomas que elas tem, e nem da classe social delas, muito menos do dinheiro ou do lugar onde elas moram. Posso ter pessoas queridas morando em favela ou em bairro chique e para mim todas são muito próximas e eu transito muito bem. Meu olhar me leva para mais perto delas do que a superfície mostra, vejo suas qualidades e seus defeitos e eu gosto a partir daí. Chamo isso de sensatez, pois é a atitude mais equilibrada que conheço, mais livre e ao mesmo tempo mais racional. Algo que tempera a minha intensidade da alma. Acaba que sou boa conselheira (menos para mim mesma!!!), sou uma boa mãe e amiga dos meus amigos...sensatamente eu sei que sou um poço de defeitos e não obrigo ninguém a viver com eles. Ser capaz de olhar, de ver, de enxergar. Meu dom, o grande motor da minha vida e minha maldição. Tantas vezes não me serviu para absolutamente nada. Tantas vezes me permitiu dar saltos de fé no futuro, estranhamente racionais. Ver, entender, saber. Falar. Amar. Ah, se eu conseguisse colocar isso tudo a meu favor.

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