quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Beleza de dentro...


A diferença entre nada e alguma coisa está na força com que se duvida. A semelhança entre tudo e coisa alguma está na força com que se acredita. Os cegos do castelo são também surdos de nascença. E tudo o que não se pode dizer ou fazer por eles, pode-se dizer ou fazer por outro alguém. Desencastelar a dor, por exemplo. Se tu podes, então desencastela, desagrilhoa, liberta as pequenas serventias. Se possuíres uma inalterável rota, então te retira destas letras! A conversa não chegou na razão. Agora, se temes, se te escapam razões avulsas, se tanto faz renovares a melancolia de dentro, ou rires em festejos de fora, se ambas as sentenças equilibram a contradição da alegria, ou da tristeza que emblema, se encontras significados fortuitos em certezas permanentes, e perenidades em inopinados eventos, teu lugar é aqui, ao meu lado, na minha semente, no pântano de que chafurdo ascensões, nos meus sacrifícios. O amor incondicional por certas certezas também sofre de exaustão. O amor também sofre, já se sabe e não é de hoje. Nos instintos encontro a confissão do corpo. Mas onde a confissão da alma? Nos sentimentos? Sentimentos são o que? Certezas suspiradas? Selvas divinais? Ilusões de arlequim? Serão junções? Ou disjunções? A alegria é pena de morte da dor, ou falcão e lobo, breve até mais de claro-escuros que se quase tocam no Feitiço de Áquila? Pôr-se em diálogo com o mundo. Mergulhando naquilo que se crê mundo, ou fugindo dele. São opções. Se sustentáveis eu não sei. Tem o mundo do de dentro. Isso eu sei. O amor em primeira pessoa é o mundo de dentro, a dor vem de dentro, mesmo que possa ser vista de fora. Então viver é assim, eu creio: involuntário como doer. (...) Se nos quiséssemos mais! Criando-nos, recriando-nos, dando-nos de comer. Se nos permitíssemos mais expansões, mais extinções, como na natureza. Como nas certezas de incertezas, como nos furacões. Não me refiro só ao instinto. Nem só aos sentimentos. Isso já fazemos. Refiro-me a uma concessão mais plena de certas camadas em nós, a uma celebração, a uma visitação ao inominado que somos, à coisa sem forma, ao primeiro amor para conosco, que beira ao rito, à sobrevivência. Pertencimento-espécie, animismo, predisposição existencialista, talvez. Me refiro a um valer-se penetrado de inspirações! Profundo. De si para si. Sem doutrinas, sem gritos de socorro, sem salvação, sem santos, sem Arca de Noé, sem pecado, sem recompensa, sem clemência, sem certeza de retorno. Êxtase-ausência. Espreme a beleza do de dentro e saberás! Com a batata do almoço, com a carne crua da alma. Depois frita, apura esse molho com as especiarias do olhar! Que é tempo ardido esse, que é momento de fervura. Por último, serve esta bandeja rica, de mistério, de suculenta vida, e oferece à fome do mundo.. que não há de serem somente teus, meu caro, os banquetes e as belezas a de ofertarem respostas ou incompreensões.