Estou me vendo como uma pedra que não pensa, mas que chora por estar no meio do caminho, me vejo como um sol que morreu e que esfria a cada segundo. Olho pra mim e enxergo uma janela rasgando a parede, que se abre para o dia e que mostra para o cativo de si mesma que a liberdade está apenas a um passo seu. Enxergo-me como uma luz, um clarão que rompe a noite que parecia eterna sobre a cabana. Quando sou feita de carne sou grama esparramada pelo chão, a mesma grama onde me deito com ele, e onde hoje é nosso leito e amanhã será nosso túmulo, sou água da fonte sorrindo porque sabe que será rio e que um dia matará a sede. Sou passarinho que voa desafiando as gravidades, que usa suas asas como reza ou poesia, que do alto contempla os homens perdidos em seu gozo e em toda sua agonia. Quando sou feita de palavras, quando sou feita de pensamentos ou mesmo de ar, a minha alma é uma fotografia, um mosaico de imagens e de poeira, sou essa hora de dor em que sou santa, e esses momentos de prazer em que sou pecadora, sou uma boca que beija como quem morde porque no canto dos lábios tem doce e um segredo calado no amargo da língua.
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